Imagem capa - Três filhos? Tá bem na fita, hein? por Ivna Sá Fotografia
Pais e filhos

Três filhos? Tá bem na fita, hein?

Recentemente, fui a uma festa de casamento e um amigo que há muito não via soltou esta pérola: “Você está muito bem profissionalmente, deve estar ganhando muito dinheiro porque, para bancar três filhos, tem que tá bem na fita!”. Parei, pensei se era daquelas brincadeiras típicas que a gente escuta, se na brincadeira havia um fundo de verdade, se eu dava aquela risadinha educada ou se fazia a conversa render. Acreditem, optei em render a conversa. Curiosamente, já estava pensando em escrever sobre a maternidade tripla; depois desse fato, não tive mais dúvidas.


A decisão de não ter ou de se ter um, dois, três ou quatro filhos é muito pessoal e, sem dúvida, depende de muitos fatores. Está longe de ser uma decisão simples de ser tomada, mas o que mais me assusta é a força e a eloquência com que as pessoas utilizam o velho argumento de que “filho dá despesa demais”. Sim, dá muita despesa. E mais do que isso: consome o nosso tempo, nos deixa exaustos, aumenta nossos cabelos brancos, retira nossas tranquilas noites de sono, pode nos causar tristeza e decepção.


Certa vez, a revista Veja chegou até a publicar um artigo que mostrava cifras, cálculos e estatísticas revelando o quanto um filho levaria do dinheiro dos pais até sair da faculdade. A conta computava fraldas, remédios, cursos, saúde, etc, etc, etc. Prefiro nem gastar o meu e o seu precioso tempo com a matéria da Veja porque era de uma pobreza, no sentido mais nobre que a palavra pode apresentar, que dava náuseas de ler.


Então, estava eu ali naquela festa de casamento e quando me vi já estava também, de modo eloquente, fazendo a defesa de se ter três filhos. E o primeiro aspecto que pontuei foi exatamente o tal do “filho dá despesa demais”. Sim, há momentos em que a gente passa aperto, faz dívidas, há meses mais difíceis do que os outros, mas preciso dizer que um filho quando nasce não pede férias em resorts ou Disney, não pede roupas de marca desde os seus primeiros dias de vida, não pede quarto sabe lá de quantos mil reais (que vai ser desmanchado logo que fizer 1 aninho com os presentes da festa que gerou muitos likes e comentários nas redes sociais), não pede ballet, piano, inglês, judô, escolinha de futebol, natação (tudo junto e misturado que retira a infância da criança cumulando-a de tantas atividades. Hoje não são mais raros os casos de stress infantil).


Um filho para nascer não exige iPhone, iPad, um quarto de última geração com todas as tecnologias disponíveis. Tampouco, precisa estudar na melhor escola, ter as melhores notas, ser o menino ou menina prodígio, não ser frustrado, até porque se sua infância e juventude forem assim, sua vida adulta será um peso que muito provavelmente ele não dará conta de carregar.


E a conversa seguia, até que esse meu amigo, que tem uma única filha de uns 7 anos, questionou: mas como você faz então? Não dá as coisas para seus filhos? E eu respondi: eu e meu marido fazemos escolhas. A primeira delas é viver de um modo mais simples. Queremos conforto, sim, mas nos policiamos muito em relação aos exageros da sociedade do consumo. A Maria Clara de 10 anos não tem celular ainda. Quando fizer 11, ela vai ganhar um, mas não precisa ser o de última geração. Nossos filhos precisam saber o valor das coisas e compreender o abismo de desigualdade social que existe no Brasil. Está certo ganhar um presente que custa um mês de trabalho de um assalariado que precisa fazer milagre para cuidar dos filhos? E, assim, a gente vai despertando a consciência deles.


Para mim e meu marido, o maior desafio está no tempo que eles demandam e no pique que falta devido à idade. Estou com 40 anos e ele com 47. Nos sentimos cansados, muitas vezes. Quando dizemos que se fôssemos mais novos, talvez teríamos o quarto filho, parece que estamos assaltando as pessoas. Elas nos olham perplexas, constrangidas, nem sei dizer como! A questão do tempo também é muito relevante, porque não adianta ter filhos para terceirizar a educação, delegando-a para os avós, professores ou babás. Valores são ensinados, sobretudo, pelos pais. Nascem no cotidiano entre pais e filhos: no trânsito, no supermercado, na mesa do almoço, naquela bagunça em cima da nossa cama com pé sujo e tudo, na hora de fazer a tarefa escolar, no respeito aos mais velhos, no “pedir a bênção”, no exercício das palavrinhas mágicas: por favor e obrigado.


Para tentar não terceirizar a educação, optamos por ganhar menos (saber dizer não a alguns trabalhos que poderiam render bons dividendos, mas que roubariam um tempo precioso com eles). Foi nessa hora que esse meu amigo interveio com um misto de sorriso e dúvida: “mas aí a matemática não fecha. Quer dizer que você ganha menos do que antes para gastar mais agora?” E eu loucamente respondi: sim. É que a nossa “matemática” não é uma ciência exata. Ela se explica mais em um texto que está em um livro bem antigo escrito por um tal de Mateus. Lá diz assim: “não vos preocupeis com o dia de amanhã, a cada dia basta o seu cuidado. Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo mais vos será dado em acréscimo”.


Penso que a maior armadilha da nossa geração, a chamada geração X, é essa estranha e perigosa mania de dizer: “vou dar para meu filho tudo o que eu não tive.” A gente não percebe, com isso, que ao dar tudo a gente pode estar tirando deles a capacidade de sonhar e o prazer de subir a escada degrau por degrau. Afinal, filhos prodígios podem até subir a escada com um passo apenas, mas se caírem o tombo terá consequências muito piores.


Temos três filhos: uma menina de 10 anos, uma menina de 6 anos e um bebê de 1 ano e 4 meses. Muita gente acha que o caçula veio de um descuido, até porque a distância em relação à segunda filha é relativamente grande. Não, ele não foi descuido. E se fosse, seria amado do mesmo modo. Um bebê, fruto de um descuido, foi o que perdemos antes do nosso caçula. Ele foi amado e sempre será, mesmo não tendo a oportunidade de sequer ouvir seu coraçãozinho. Esse bebê chegou com uma missão: selar em nós a certeza de que nossa família estava incompleta. Agora não está mais! Não consigo me ver sem eles, ainda que às vezes tenha a sensação de enlouquecer em meio a tantas demandas, como a dessa semana: o marido e a minha ajudante com dengue e a filha do meio com febre alta.


A gente respira, tenta viver um dia de cada vez e, quando sente que não vai dar conta, chora, reclama, respira e volta o olhar para aquela matemática sensacional daquele livro antigo e tão atual. Somente lá estão as respostas para quem deseja viver menos de aparência e mais de essência.



Esse texto foi publicado originalmente pelo site www.muitasmarias.com - https://muitasmarias.com/2016/02/04/tres-filhos-ta-bem-na-fita-hein/



Ivna Sá é casada, mãe de três crianças, autora, professora universitária e fotógrafa de famílias há 11 anos, profissão que descobriu com o nascimento da primeira filha. Há quatro anos se dedica ao universo feminino com a criação da marca Ivna Sá Para Mulheres e, publica, semanalmente em seu canal do YouTube vídeos voltados para o público feminino e materno. 


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